Eu adoro Tucumã, venha ele hoje do jeito que vier, principalmente no sanduíche com queijo coalho, o insubstituível x-caboquinho. dos amazonenses.
A minha relação com essa fruta começou ainda na pré-adolescência, quando eu só me interessava mesmo era pelo seu caroço. Eu e uma galera da minha rua usávamos os caroços para fazer os nossos times de botão, polidos com cera de sapato, as bolinhas feitas da cortiça das rolhas de garrafas de vinho do meu avô Manuel. Para jogar e movimentar os botões, usávamos os pentes da marca “Flamengo”, que eram considerados os mais flexíveis e não quebravam com facilidade.
Como disse, é dos botões que eu guardo as melhores recordações. Modéstia à parte, eu era um bom jogador de botão. Do caroço, entretanto, guardo também na memória um episódio nada agradável do que aconteceu comigo voltando da escola.
Eu estudava pela parte da tarde no Grupo Escolar Antônio Bittencourt. Uma escola pública que existe até hoje, localizada quase em frente ao Estádio da Colina, em Manaus. Quando eu gastava o dinheiro contado da passagem do ônibus, não restava-me outra saída a não ser voltar a pé para casa. Era uma boa caminhada solitária que ia da Escola, no bairro de São Raimundo, até minha casa, na Getúlio Vargas.
Num desses dias que eu voltava a pé para casa, já caminhando pela Rua Leonardo Malcher, observei a certa distância que dois moleques da minha idade discutiam na beira da calçada. Quanto mais eu me aproximava, mais a discussão entre eles parecia se acirrar. Nem sei dizer por qual motivos discutiam. Passei por eles andando bem rápido e até sem ser percebido. Alguns metros adiante, um deles passa por mim correndo já com os calcanhares batendo na bunda. O outro, sem que eu visse, pois estava de costas para ele, atira um caroço de tucumã na direção do colega com quem discutia. Resultado: – errou o alvo. O caroço foi em direção do poste de luz logo à minha frente, bateu e simplesmente voltou na meio da minha testa.
– PQP! Que dor filha-da-puta!.
Desculpem, mas só existe essa expressão para traduzir fielmente o que senti naquele exato momento. Porra, dói pra burro. Coloquei a mão na testa e sentei na beira da calçada totalmente leso. Doía pra caralho meo! Sorte que o moleque que me atingiu por tabela não fugiu e veio em meu socorro ver o que aconteceu. Logo em seguida a mãe dele também aparece na janela da casa e em seguida saiu para ver o que estava acontecendo comigo. Acabei sendo levado para dentro da casa, onde me colocaram uma compressa de gelo na testa para aliviar a dor. Só passando a mão na testa dava para imaginar que o galo era um parrudo.
A mãe do moleque que me atingiu com o caroço de tucumã ficou preocupada com a minha situação. Queria de qualquer maneira me levar até em casa. Consegui convencê-la de que já estava bem e não seria preciso. Peguei a minha bolsa e sai no rumo de casa. No caminho, a minha preocupação passou a ser outra. ou seja, o que eu iria dizer em casa. Como explicar aquele galo parrudo na testa.
Depois de pensar um pouco, e sem encontrar uma saída, decidi esconder o galo com o meu cabelo. Achei que no dia seguinte o galo ia desaparecer da minha testa. Entrei em casa e fui direto para o meu quarto Tomei meu banho e só depois criei coragem de ver no espelho o tamanho do galo que me fizeram na testa. Tomei um susto diante do espelho. Parecia assim que o caroço de tucumã tinha passado inteirinho para o lado de dentro da minha testa. Um horror!
No dia seguinte, acordei cedo e fui direto para o espelho. Para minha decepção, o galo estava lá do mesmo jeito. Pior ainda – estava ficando roxo. Eu tinha então que arrumar uma maneira de fazer aquele galo passar despercebido dentro de casa. Depois de avaliar algumas alternativas para esconder o galo, resolvi optar por mudar o penteado. Tasquei vaselina no cabelo e arrumei uma pastinha, estilo Ronnie Von, passando por cima do caroço que havia ganho na testa. Depois era só esperar para ver o que ia acontecer.
Acabou dando tudo errado! Na aula particular pela manhã, mal cheguei e todo mundo já percebeu e foi curtindo com a minha cara. Em casa, na mesa do almoço em família, eu sentava de frente para o meu avô. Ele ficava na cabeceira e eu na outra ponta junto com meu tio. O português botou o olho em mim e foi logo perguntando com aquele seu sotaque português inconfundível:
– Que raio de penteado engomado é esse menino?
Meu pai, antes mesmo que eu esboçasse uma resposta, completou:
– Eu não tenho filho veado!
Já fiquei sem saída. Só me restou naquele momento a alternativa de contar o que de fato havia me acontecido. Óbvio que não consegui convencer ninguém de que havia levado uma tucumanzada na testa por tabela. De quebra recebi mais um castigo para não gastar o dinheiro da passagem de ônibus na volta da Escola para casa.