Dia desses recebi um vídeo no facebook relembrando o tempo em que dançávamos de rostos colados nos bailes da vida. Eram tempos bons que não voltam mais e que me fazem lembrar do Moranguinho do Ideal, do Bancrévea, do Cheik Clube, do Sambão da União Esportiva Portuguesa e de outros lugares da minha cidade de Manaus, onde vivi uma infância e uma adolescência de muitas alegrias e encantos.
Falando em dançar, na minha juventude eu lembro de ser um pouco tímido. Confesso que tinha uma certa dificuldade nas festinhas e bailes para chegar junto de uma paquera e convidá-la para dançar, apesar de saber que o máximo que poderia receber era um “não” ou a desculpa manjada – “estou esperando o meu namorado”.
Um colega de rua dessa época, dizia-me que ele não tinha nada a perder durante um baile. Se tentasse tirar 10 gurias para dançar, e só uma aceitasse ir para o salão, computava como conquista. Eu rodava o salão inteiro a procura de alguém com quem simpatizasse para convidar para dançar. Quando isso acontecia, no meio do salão, ao som das músicas românticas daquela época, vinha a fase da conquista, a troca de olhares, o sussurro no ouvido, aquele abraço mais apertado a cada música tocada pela banda, o rosto colado, o beijo consentido ou aquele beijo roubado que normalmente era muito mais gostoso. Por fim, a saída do baile de mãos dadas e o beijinho de despedida até o próximo encontro já ansiosamente esperado. No caminho de volta para casa, íamos os amigos conversando e contando uns aos outros as conquistas. Era muito divertido, pois, até aquele que não pegou ninguém no baile, fantasiava uma conquista para contar.
Voltando ao vídeo que mencionei, na verdade ele me trouxe à memória um fato muito curioso que aconteceu comigo e que lembro com saudade e alegria. Já mais maduro, atravessando a casa dos 30, fui morar na cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre, levado por uma parceria entre o Governo do Estado do Acre e a Instituição em que trabalho até os dias de hoje.
Cheguei em Rio Branco sem conhecer praticamente ninguém. Rapidamente me apaixonei pela cidade e pela sua gente. Digo sempre que sou amazonense de nascimento e acreano de coração. Num certo dia de fim de semana, uma pessoa com quem havia feito amizade, apareceu onde eu morava para cumprir uma promessa – levar-me para conhecer um pouco da noite de Rio Branco.
O primeiro destino foi o 14 BIS. Um ponto de encontro tradicional e bem frequentado, que ficava ao lado do aeroporto da cidade. Ao chegarmos no estacionamento, começou a cair uma chuva. O tempo fechou e, conhecendo bem as chuvas na região, não tínhamos dúvidas que era uma chuva que poderia ser ligeira ou durar a noite inteira.
Apesar do tempo ruim, resolvemos sair do carro e procurar uma mesa protegida da chuva. O amigo pediu uma cerveja e, para matar a fome, pedimos batatas fritas e uma isca de carne. Terminada a segunda garrafa de cerveja, apesar da boa comida, do bom papo e da boa música ao vivo, o amigo sugeriu que fôssemos a um outro local. Voltamos ao carro e fomos então rodar por outros bares da cidade. Por conta da chuva, todos tinham pouca gente, o que não nos animava a parar. Já por volta das 11 da noite, o amigo bate no volante, vira para mim e diz:
– Seguinte! Só resta agora uma opção. Vou ti levar para conhecer o SBORBA. Eu acho que você vai gostar – tenho boas amizades por lá, inclusive com os garçons que me dão tratamento VIP e me ajudam nas conquistas.
Descreveu-me como sendo um clube frequentado por coroas, ou seja, casais, senhores e senhoras já de certa idade. Quis saber o que ele queria dizer com – os garçons me ajudam nas conquistas. Disse-me que os garçons não só investigavam como revelavam a ele o nome das coroas que estavam na sua mira de conquista, assim como faziam o trabalho de pombo-correio, entregando os bilhetinhos chamados de “torpedo”, normalmente escritos em lenço de papel e com a caneta emprestada do garçom.
Sobre esses torpedos, que merece um capítulo à parte, o detalhe é que eles partiam tanto dos coroas, como das coroas em busca de suas conquistas. Era uma estratégia usada em todos os lugares de encontro, inclusive por jovens. Dada a minha timidez, o torpedo passou a ser uma de minhas ferramentas de aproximação e conquista. Mandei muitos e recebi alguns inesquecíveis. Entre os recebidos, um deles trouxe-me a seguinte mensagem: – se procurar vai me achar e, se me achar, sou toda tua. Em resumo, procurei, achei e deu tudo certo naquela noitada.
Voltando ao SBORBA, chegando lá fomos muito bem recebidos já na entrada e levados para a mesa cativa que meu amigo tinha preferência quando por lá aparecia. Na verdade, pelo tratamento que recebemos, concluí que ele era um frequentador assíduo do local e muito querido. Assim que sentamos, logo em seguida veio o garçom trazendo uma garrafa de whisky, que depois fiquei sabendo também que era do consumo pessoal desse amigo. Ele pagava pela garrafa inteira e ia consumindo até acabar.
Apesar dos apelos, recusei a ideia de tomar uma dose da garrafa de whisky. O garçom, tentando me animar, sugeriu que tomasse misturado com coca-cola, mas também não me convenceu. Acontece que eu não bebia nem bebo whisky de qualquer natureza. A explicação é que, ainda adolescente, inexperiente, durante um dia de carnaval em Belém, na companhia de primos, dei aquela bobeira, tomei um porre maluco e até hoje whisky para mim tem gosto de perfume – intragável!
Apesar da chuva, o SBORBA estava com uma frequência boa. Gostei muito do local, do ambiente, da música e principalmente do tratamento recebido. Por conta disso, tive a curiosidade de saber um pouco mais daquele local tido como tradicional da cidade. Sborba – Sociedade Beneficente dos Operários de Rio Branco, foi fundado em 1948. A sede fica no centro da cidade e, salvo engano, foi tombada como patrimônio histórico pelo governo do Estado do Acre. É um ponto turístico da cidade e um dos mais visitados.
No momento em que o amigo me passava mais detalhes do clube, de repente sinto uma mão pousar com delicadeza sobre o meu braço direito. Virei a cabeça para ver do que se tratava e, de pé bem ao meu lado, uma senhora simpática e sorridente, lança-me o convite:
– Vamos dançar?
Pô, nunca ninguém tinha me tirado para dançar. Foi um impacto. Mas, não titubeei e respondi no ato:
– Com todo prazer!
Fomos para o salão onde 99,99% dos casais que dançavam eram de coroas, todos de ótimo astral e exímios dançarinos. Proporcionavam um show à parte. A maioria dos olhares presentes estavam direcionados ao bailado dos casais que estavam no salão. Envergonhado, puxei a minha parceira para o centro do salão tentando ficar meio escondido dos olhares de avaliação e reprovação. Na base do 2 para lá, 2 para cá, o único passo de dança que eu sabia usar, fui procurando dar conta do recado.
O tempo foi passando e aquilo que parecia agradável e diferente para mim, começou a ficar complicado no salão. Minha parceira não desistia e nem dava sinal de querer dar uma pausa. Uma pequena pausa para descansar e eu voltaria para o salão com ela com todo prazer. No papo de pé de ouvido, tentei jogar algumas indiretas, mas a parceira queria mesmo era dançar e nisso as acreanas são nota 10. Entretanto, de minha parte, sedentário convicto desde a faculdade, as pernas começaram a falhar e a direita já dava sinal de fadiga e ameaça de câimbra na batata. Era o vexame se anunciando. Mas, de repente, a parceira sussurra no meu ouvido a frase mais esperada:
– Quando você quiser parar é só me avisar.
Ufa! Senti um tremendo alívio. Mas, educadamente, esperei a música acabar de tocar. Sem ousar perguntar se ela queria dançar mais uma antes de parar, já fui puxando-a para fora do salão. Saímos em direção da mesa do meu amigo. À distância, já percebi que ele não estava mais à mesa e nem a garrafa de whisky. Na minha cabeça só veio um pensamento: – cansou de me esperar, achou que eu tinha me dado bem e resolveu ir embora. Já chegando próximo à mesa, a parceira me diz animada:
– Lá está o seu amigo na mesa com minhas amigas. Olhei e lá estava ele de fato conversando animadamente com as 3 senhoras. Pouco depois que levantei da mesa para dançar, ele pegou a sua garrafa de whisky e foi à mesa dessas senhoras, dizendo-se solitário e pedindo companhia.
Fui apresentado às três coroas e, durante o papo que foi até a última música daquela noite, revelaram que tinham tirado no par ou ímpar para decidir quem ia me convidar para dançar. Quando perguntei porque uma delas não foi tirar o meu amigo para dançar, responderam que já conheciam ele de outras festas e sabiam que não gostava ou não sabia dançar. O papo foi em frente pelo resto da noite, com muita alegria e boas gargalhadas. Uma delas, com um repertório enorme de piadas, divertia-nos não só com as piadas, mas principalmente com a maneira de interpretá-las. Digna do que hoje chamamos de comédia stand-up.
Na saída do clube, uma chuva fina continuava a molhar a cidade, com aquele friozinho tradicional e gostoso da região acreana. As novas amigas não estavam motorizadas e não cabiam todas no carro de meu amigo. Como eu estava morando nas proximidades do Sborba, meu amigo deixou-me primeiro e voltou para buscá-las e leva-las até suas casas.
Depois desse episódio, voltei outras duas ou três vezes ao Sborba. Num desses retornos tive a oportunidade de reencontrar esse grupo simpático e alegre de amigas. Dois para lá, dois para cá, a verdade é que já se passaram mais de 30 anos e eu guardo com enorme carinho, para sempre, a lembrança daquele dia muito especial, na companhia breve de pessoas que nunca tinha visto na minha vida, mas que me proporcionaram algumas horas impagáveis de descontração e de alegria que jamais serão esquecidas. Vamos dançar!…
Maravilhoso texto.
Não sabia que tinha como amigo um grande escritor.
Amei viver essa experiência no Acre.
Parabéns, amigo