Lendo o livro de meu amigo e ex-aluno do Colégio Dom Bosco, Carlos Augusto Coutinho, da turma de 1979, encontrei nele citado o nome do Padre Argentino Cescon, uma figura humana inesquecível da minha geração de alunos do colégio.
Quando Pe. Argentino chegou ao Brasil, em 1955, já como padre salesiano, eu estava apenas nascendo. Foi professor de História da minha turma. Muito temido por ser um padre disciplinador e por não admitir brincadeiras em sala de aula.
Certo dia, depois da fila diária, dos avisos e da oração matinal no pátio comandada por Pe. Humberto, fomos mandados para a sala de aula. Chegando na sala, o que era muito raro de acontecer naquela época, o professor do primeiro tempo não havia chegado. Daí então começou aquela algazarra de sempre, com todo mundo falando com todo mundo e alto.
Para nosso azar, na sala ao lado estava o Pe. Argentino começando a sua aula. Ele veio até a nossa sala e pediu que fizéssemos silêncio. Na segunda vez que Pe. Argentino pede para fazermos silêncio, alguém lá do fundão grita bem alto – pega!
Daí Pe. Argentino já muda o tom de voz e pergunta :
– Quem foi que gritou?
Alguém responde no ato – foi o ALON.
Pe. Argentino reage no ato e determina:
– Alon, se retire e vá para a sala de Pe. Humberto.
Outro gaiato, no meio da sala grita outro nome – foi o NOLA.
Nesse momento, antes mesmo que Pe. Argentino dissesse algo mais, surge na porta da sala o temido conselheiro Pe. Humberto. Além de conselheiro era também um dos nossos professores de português. Nos ensinava literatura e nos obrigava a decorar poesias valendo nota. Na sua aula de sábado, cobrava a declamação e normalmente sorteava apenas 1 ou 2 alunos para declamar, entre mais de 30, todos desesperados para não serem escolhidos. Era um terror! Imagine o esforço para decorar a poesia “ O Navio Negreiro”, de Castro Alves, e ganhar só nota 6 porque a declamação não foi como Pe. Humberto achava que devia ser. Faltou dar mais vida à poesia – dizia ele justificando a nota dada. E não adiantava reclamar.
Voltando à gritaria na sala de aula, sabendo que não havia na nossa turma ninguém com o nome de ALON, tampouco NOLA, Pe. Humberto nos mandou sair de sala, voltar para o pátio e ficarmos perfilados. No término do primeiro tempo, voltamos para a sala com Pe. Humberto nos acompanhando. Todos já sentados, Pe. Humberto dá então o seu recado:
– No final do último tempo, ninguém saia de sala. Fiquem todos me esperando que eu virei entregar as cadernetas.
Quase 40 minutos depois do último tempo, Pe. Humberto aparece na sala com as nossas cadernetas e a sua inseparável sineta. Coloca tudo em cima da mesa e diz:
– Quem foi que gritou em sala quando o Pe. Argentino estava pedindo silêncio?
Todos permaneceram mudos. Ninguém na turma ousava dedurar outro colega.
Pe. Humberto insiste e pergunta outra vez da turma – vai aparecer quem gritou?
Da mesma forma que ele sabia que Alon e Nola não existiam, sabia também que não ia aparecer quem deu o grito. Mas, Pe. Humberto também tinha suas estratégias e sabia como lidar e castigar a turma. Sempre na maior tranquilidade, pede silêncio absoluto e diz:
– Vou dar um tempo para vocês lembrarem quem foi que gritou. Volto depois do almoço e não me façam algazarra aqui. Recolheu as nossas cadernetas, a sineta e foi embora para o seu almoço.
Com a turma da tarde já chegando e brincando no pátio do Colégio, volta Pe. Humberto com as cadernetas e repete a pergunta:
– Já sabem quem foi que deu o grito?
Era óbvio que não ia aparecer quem deu o grito. Pe. Humberto sabia disso e já trazia todas as cadernetas com uma advertência escrita com tinta vermelha, com a ordem expressa de trazermos de volta no dia seguinte com a ciência dos nossos pais. Distribuía uma a uma e ia nos dispensando para sairmos da Escola. No caminho de volta para casa, morto de fome, barriga roncando e debaixo de um sol lascado, já ia matutando sobre qual explicação daria para a advertência na carteira. Na verdade perdi a conta de quantas vezes fiz isso.
Finalizando, Pe. Argentino e Pe. Humberto foram muito importantes na nossa formação humana, moral e intelectual. Ambos já não estão mais entre nós. Fizeram parte de muitos outros momentos como esse aqui relatado e que marcaram as nossas vidas saudáveis na Escola. Eternamente em nossos corações.