
A cena se repete a cada eleição: políticos que, eleitos pelo voto popular para o poder legislativo, leiloam e abandonam seus mandatos em busca de cargos no poder executivo, seja em prefeituras, governos estaduais ou ministérios do governo federal. Daí, quando a próxima eleição se avizinha, esses políticos retornam para suas cadeiras no parlamento, como se nada tivesse acontecido. Cinicamente vão para as ruas pedir novamente o voto dos eleitores para se manterem num mandato que não cumpriram efetivamente e que, outrora, julgaram menos importante do que uma posição no executivo. Essa prática, infelizmente comum na política brasileira, revela uma profunda deslealdade com o eleitor e uma desvalorização do mandato conquistado nas urnas, apesar do discurso cínico de que é tudo pelo povo e para o povo.
Ao trocar um mandato conquistado pelo voto popular por um cargo no executivo, o político demonstra um claro desrespeito àqueles que o elegeram. E faz isso na maior cara de pau. O eleitor depositou sua confiança em um projeto e em um representante para o parlamento. Essa confiança é quebrada quando o político, por ambição ou conveniência, abandona o cargo para o qual foi eleito, abrindo porta para outro político que o seu eleitor, diante das urnas, não votaria nem sob tortura. Essa atitude mina a credibilidade da classe política e alimenta o ceticismo da população em relação ao processo eleitoral.
A troca de mandatos também revela uma desvalorização do Poder Legislativo. O parlamento, que deveria ser um espaço de debate, fiscalização e representação dos interesses da sociedade, é tratado por muitos como um trampolim para cargos mais “poderosos” no executivo. Essa visão distorcida enfraquece o Legislativo e compromete sua capacidade de exercer seu papel fundamental na democracia.
O retorno ao parlamento para buscar a reeleição, após ocupar cargo no executivo, muitas vezes revela um oportunismo calculado. O político, após usufruir do poder e da visibilidade de um cargo no poder executivo, busca se “reciclar” no parlamento, utilizando a estrutura e os recursos da campanha eleitoral para tentar se reeleger para um mandato que abandonou. Essa estratégia, baseada na esperança de que o eleitor tenha “esquecido” ou “perdoado” o abandono anterior, demonstra uma preocupação maior com a carreira política do que com o compromisso com os eleitores.
A confiança na memória curta do eleitor e a fé na impunidade, são os principais combustíveis para essa prática. A legislação brasileira não prevê sanções claras e eficazes para políticos que abandonam seus mandatos para assumir cargos no executivo e depois retornam ao parlamento. Essa falta de punição cria um incentivo perverso, onde a troca de mandatos por cargos se torna uma prática comum e aceitável, mesmo que imoral e antiética.
A situação exige uma urgente reforma política que estabeleça regras mais claras e rigorosas para a troca de mandatos. É preciso criar mecanismos que incentivem o cumprimento integral dos mandatos conquistados nas urnas e que punam aqueles que, por ambição ou conveniência, abandonam seus eleitores. A reforma política é fundamental para resgatar a credibilidade da classe política e para fortalecer a democracia brasileira. Mas, cadê a disposição política de fazer e de cortar na própria carne. Nos lembra o bordão do Justo Veríssimo – o povo que se exploda.
Em resumo, a troca de mandatos por cargos no executivo e o posterior retorno ao parlamento para pedir votos para reeleição, é uma prática que desrespeita o eleitor, desvaloriza o mandato legislativo e revela um oportunismo calculado. A falta de punição e a ausência de uma reforma política que discipline essa prática contribuem para a perpetuação desse ciclo vicioso, que mina a confiança da população na política e compromete a qualidade da nossa democracia.